terça-feira, 19 de outubro de 2010

O ESTADO COMO EMPRESA


Confesso que já estou há algum tempo para escrever esta entrada no blogue. Pelas mais diversas razões ainda não o tinha feito. Acho que parte de mim estava à espera que houvesse algum bom senso proveniente de alguma parte... n sei bem qual. Enfim... aqui vai a minha visão desta problemática.


Apesar de eu ter aprendido no meu primeiro ano de economia, ainda no liceu que, o propósito do estado, contrariamente ao sector privado, não é a maximização do lucro mas sim a maximização do ganho social, devo reconhecer que estranho a posição em que nos encontramos hoje e que aponta para uma gestão estatal, como se de uma qualquer sociedade anónima se tratasse. Independentemente disso, até porque já voltarei a este assunto em concreto, vamos prosseguir como se essa premissa fosse aceitável e seguir o nosso raciocínio.


Se o estado fosse uma empresa, estamos todos de acordo que não deveria ser difícil resolver o problema. A primeira pergunta a fazer seria se o negócio é bom? Ora, no caso de um país parece-me evidente que a resposta é sim e portanto é capaz de valer a pena recuperar isto... Assim sendo, vamos à análise dos proveitos e dos custos. Se me permitem vamos começar pelos custos.


Primeira pergunta, qual a sua estrutura e o que é essencial e o que é supérfluo?


A principal fatia dos custos correntes do estado prende-se com a factura energética. Nesse domínio e como sabemos tem vindo a ser tomadas medidas fundamentais na área das energias renováveis, sendo hoje Portugal um referência mundial nesta matéria. Pela primeira vez, há cerca de 5 meses, Portugal produziu mais energia que necessário para satisfazer a sua procura interna e ainda exportou para Espanha. Pelo menos no bom caminho estamos...

Em seguida, a segunda maior fatia prende-se com a segurança social e as suas mais diversas rubricas. Todos queremos que o estado entre em contenção de custos mas ninguém está disposto a abdicar destes benefícios. Vou mais longe, todos reivindicamos o nosso direito aos mesmos. Falo-vos de indicadores como o abono de família, subsídio por doença, subsídio de desemprego, subsídio social de desemprego, pensão social de velhice, pensão de sobrevivência, rendimento social de inserção, etc... Curiosamente, a despesa do estado com estes benefícios aumentou em todos eles. No entanto, acho que estamos todos de acordo que nestes não convém mexer, até porque afecta 4.100.000 pessoas. Ou estou enganado e devemos mexer? Pergunta: será que o problema está aqui ou na função pública como muitos apregoam? Vejamos...

Como terceira maior rúbrica temos a função pública. Parece ser do conhecimento geral que existem demasiados empregados do estado em Portugal e que portanto torna-se fundamental cortar nesta máquina estatal, demitindo em bloco todas as pessoas que não são estritamente necessárias ao seu bom funcionamento. Confesso que eu fazia parte do grupo que partilhava desta ideia. Naturalmente que, uma medida desta natureza tinha que ser feita progressivamente para evitar que se causasse um problema social mais grave do que é vivido actualmente. Ou seja, também não era num exercício, nem talvez em três que, se resolvia este problema. Ia-se resolvendo... No entanto, saiu uma estatística da Eurostat, no diário económico de ontem que dizia que Portugal tem 17,2% da sua população activa empregue pelo estado e que portanto, era o terceiro país da Europa com menos empregados estatais. Curioso....

Isso a mim diz-me duas coisas. Primeiro, não existem demasiados funcionários mas sim demasiadas regalias e uma estrutura pesada. Segundo, o problema pode ser resolvido muito mais depressa do que se poderia pensar inicialmente e sem causar nenhum problema social grave. Meus senhores governantes, vamos ao trabalho...


Arrumada a questão dos custos, vamos então aos proveitos.


Primeiro, é importante que não se confunda os proveitos do estado com o PIB do país. Já iremos ao segundo e à sua utilidade. Os proveitos do estado são os impostos, nas suas mais diversas formas e feitios. Portanto, os impostos cobrados têm de fazer face à totalidade dos custos existentes. Quanto maior a estrutura de custos, maior o nível de proveitos necessários para cobrir os mesmos. Portanto, reduzindo os custos, podemos reduzir os proveitos e consequentemente, podemos reduzir os impostos. Até agora tudo bem...


Portanto, se pegássemos nos nossos proveitos e retirássemos os nossos custos, chegaríamos ao que podemos chamar de EBITDA do nosso país. Se for maior do que zero está tudo impecável e seguimos felizes e contentes. Se for menor que zero, corta mais nos custos ou aumenta os impostos. Parece simples...


No entanto, ainda não chegámos à questão central e ao verdadeiro problema que estamos a atravessar. Esse problema chama-se dívida e o serviço da mesma. Enquanto que a dívida por si não entra para as contas do défice, os juros da mesma entra e é uma das rubricas de custo mais importantes do estado.


Portanto, vamos imaginar que se juntava o melhor de todos os mundos. Vamos imaginar que se reuniam as melhores propostas de todos os partidos e que conseguíamos reduzir os nossos custos para o valor mínimo possível. Ao mesmo tempo, íamos tomando as medidas necessárias ao crescimento da nossa economia. Com certeza, chegaríamos ao fim do ano com um EBITDA chorudo e portanto, estaríamos todos felizes. Com esse EBITDA, pagamos os juros da dívida e eis que chegamos ao nosso Resultado Líquido. Quanto maior o Resultado Líquido, mais ajudas podemos dar à economia e portanto mais crescemos. Quanto mais crescemos, mais impostos entram para os cofres do estado e portanto, menor se torna a carga fiscal necessária.


Portanto, desse EBITDA, o estado tem que conseguir pagar os juros da dívida que tem, como qualquer empresa ou qualquer orçamento familiar. Quanto mais elevado for o juro, maior tem que ser o EBITDA para o cobrir. E se os juros a pagar forem mais elevados que o nosso EBITDA. Das duas uma, ou arranjamos forma de o aumentar, ou vamos pedir mais dinheiro emprestado.


Toda a nossa problemática actual reside na dívida e no serviço da mesma. É aqui que entra o bicho chamado PIB. Como todos sabemos o Produto Interno Bruto de qualquer país mede-se pelo somatório do consumo (estatal e privado) + investimento (estatal e privado) + gastos do estado + exportações - importações. Este valor não é mais que um elemento de medida da capacidade de cada país em gerar riqueza. Quanto mais riqueza gerarmos, mais proveitos (impostos) entram para os cofres do estado. Convém portanto que o PIB cresça. É nesse contexto que se costuma comparar a dimensão da dívida de um país com o seu PIB.

Primeiro, será razoável não termos dívida? Segundo, se o PIB cresce isso não melhora a nossa situação e vice-versa?

Voltando a comparar o país com uma empresa, claro que é razoável termos dívida, desde que não seja em excesso, o que parece ser o caso. Aliás, se a meta que vigora actualmente é de 3% de défice, temos que presumir que nenhum país europeu tem dívida em excesso. Se isso não fosse verdade, a meta teria que ser necessariamente inferior a zero para que todos os anos o valor dessa mesma dívida fosse gradualmente reduzido.
Para responder à segunda pergunta, vejo-me obrigado a voltar aos meus tempos de faculdade. Regra base: todas as medidas económicas têm de ser contra cíclicas, senão só estamos a aumentar a volatilidade económica em vez de a atenuar.


Portanto, qual a situação em que se encontra o actual governo? Primeiro, com a estrutura de proveitos que tem, não consegue fazer face à totalidade dos custos. Por um lado porque os custo correntes não se reduzem assim tão facilmente e as medidas estruturais não se fazem de um dia para o outro e por outro porque o custo da dívida não pára de subir. Solução, como pedir emprestado está caríssimo, temos que aumentar os nossos proveitos, ou seja, mais impostos. Se isso não chegar temos mesmo que ir pedir mais dinheiro... enquanto houver quem o empreste e é exactamente aqui que se cria o paradigma mais interessante desta história.


De repente, os países, que são soberanos e que, se fossem empresas diríamos que têm um Equity Value altíssimo, estão sujeitos à bondade dos capitais privados e dos seus especuladores. Pergunta: onde anda a Europa em todo este processo? Será que nada pode ser feito para evitar isto? O Banco Central Europeu não pode ajudar? E agora sim, chegamos ao verdadeiro problema! O problema da Europa!


Actualmente, todas as medidas que estão a ser tomadas são contraccionistas, o que a meu ver configura um erro gravíssimo de gestão. No entanto, não vale a pena pensarmos que é um erro do governo ou do Sócrates. O erro vem da UE. Estas medidas estão a ser-nos impostas e não o contrário.


Com estas medidas, o consumo vai cair, bem como o investimento, os gastos do estado, as exportações e as importações. Resultado, o PIB vai cair e consequentemente a nossa dívida em percentagem do PIB vai subir. A máquina abranda e portanto terá inevitavelmente de demorar mais tempo a chegar ao seu destino. Consequência... menos PIB, menos impostos em valor, mais impostos em %, menos PIB... e de repente já não saímos desta tão cedo.


Será que isto é mesmo necessário?


Eu diria que não. Existe um fundo de resgate europeu aprovado de 750 biliões de euros. Se esse fundo fosse accionado, o país deixava de estar sujeito aos mercados, deixando de pagar uma taxa de juro da ordem dos 6% para se financiar e passaria a fazê-lo junto desse fundo a um custo infinitamente mais reduzido. Assim, aliviava-se o custo da dívida e portanto, reduzia-se a urgência destas medidas. Depois, revia-se a meta dos 3% e do prazo de três anos para a atingir, deixando que os países tomassem as medidas expansionistas necessárias à rápida saída desta conjuntura recessiva. Passávamos a ter que atingir a meta dos 3% a cinco ou mais anos, financiávamos a dívida a um custo muito inferior e portanto, não precisávamos de estrangular a economia e os seus cidadãos desta maneira.


No entanto, todos sabemos porque é que isto não é feito. A Alemanha, que já apresenta um ritmo de crescimento razoável, não quer por em causa a sua taxa de juro, nem ter que lidar com problemas inflacionistas a curto prazo e portanto, trava a injecção de mais capital no mercado, até ver. Paralelamente e de uma forma muito pouco sustentável, é o Banco Central que está a emprestar aos bancos europeus a 1% e são estes que por sua vez estão a emprestar ao estado a 6% e a forrar os bolsos de dinheiro.


Pergunta final: Será que esta Europa tem futuro? Parece-me que algo vai ter que mudar...

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